Ações visam proteger comunidades tradicionais de Paraty
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF), ingressou com pedidos de suspensão do leilão de 49 terrenos localizados em áreas costeiras do município de Paraty, no sul fluminense. As ações visam proteger comunidades tradicionais caiçaras que vivem nessas regiões há gerações e não foram ouvidas no processo judicial que resultou na autorização de venda dos lotes.
Entre maio e junho de 2025, a Justiça do Estado do Rio de Janeiro autorizou o leilão de diversas áreas situadas em Paraty, como a Ilha do Araújo; Deserta; Praia das Pacas; Cajaíba; Rio Pequeno; São Gonçalo; Calhaus, Bijaquara; Souza; Mamanguá; Saco da Sardinha; Corumbê; Ilha do Cedro e Mambucaba.
A origem do processo é o inventário de José Maria Rollas, empresário português que acumulou terras no litoral do estado e faleceu em 1988. Desde então, famílias ocuparam os lotes desabitados e, hoje, mais de 500 delas lamentam a decisão da Justiça.
De acordo com a DPRJ, a falta de escuta das populações que hoje vivem nesses territórios é um dos pontos mais graves do caso.
– As comunidades afetadas não tinham sido ouvidas até o presente momento no âmbito do inventário. Isso chamou nossa atenção. É como se vendessem um território com base num registro de 1900 e pouco, ignorando completamente a dinâmica real da ocupação do solo ao longo de um século – afirma a defensora pública, Juliana Rodrigues.
Segundo a defensora, existe um problema estrutural no sistema jurídico brasileiro: a supervalorização da propriedade registral em detrimento do direito de posse tradicional. Para Juliana, a justiça não deveria comportar um leilão de terras apenas com base em um documento tão antigo, sem qualquer discussão ou comprovação sobre quem vive ali hoje.
– O leilão ainda estava em andamento quando atuamos pedindo a paralisação, principalmente porque sabíamos que a população local não havia sido ouvida – explicou a defensora.
Até o momento, 29 lotes já foram arrematados. Todos estão inseridos em áreas tradicionalmente ocupadas por caiçaras – pescadores, agricultores, artesãos e extrativistas – que desenvolvem práticas sustentáveis em convivência direta com a Mata Atlântica.
Apesar da venda, ainda não há plena clareza sobre a titularidade de parte das áreas. Muitos terrenos leiloados estão em zonas de preservação ou pertencem à União, levantando dúvidas quanto à legalidade das transações.
Paraty enfrenta conflitos fundiários
Paraty enfrenta há décadas conflitos fundiários marcados pela especulação imobiliária e pela negação dos direitos territoriais de populações tradicionais. Segundo a DPRJ, mesmo sem qualquer autorização judicial para imissão na posse, representantes legais e topógrafos compareceram a comunidades como a Ilha do Cedro e a Ilha do Araújo para realizar medições com base nos editais do leilão.
– No curso do processo, fomos surpreendidos por movimentações em campo, com topógrafos e advogados tentando realizar medições sem qualquer decisão de imissão na posse. Agimos prontamente, peticionamos, e o juízo suspendeu essas ações. Embora não tenha reconhecido de forma expressa os direitos territoriais das comunidades, o magistrado reconheceu a existência da população local e a necessidade de ouvi-la – destacou a defensora.
A Defensoria também ressalta que há diferentes formas de regularização fundiária em curso. Parte das famílias possui Termos de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), enquanto outras reúnem provas de vínculo com o território por meio do uso tradicional, ancestralidade ou direitos coletivos.
No último domingo (5), moradores da Ilha do Araújo organizaram um ato contra a venda das terras. Durante a mobilização, uma mensagem compartilhada nas redes sociais reforçou o apelo da comunidade: “É hora de mostrar nossa força e união para chamar a atenção das autoridades e buscar uma solução definitiva para esse absurdo.”
A DPRJ segue acompanhando o caso de perto, com o objetivo de assegurar que os direitos das comunidades sejam respeitados e que qualquer decisão judicial leve em consideração a dignidade das populações tradicionais, a preservação ambiental e o direito à consulta prévia, livre e informada.