Empresa contratada para regularização fundiária é alvo da PF e moradores lutam na Justiça para continuarem no Parque Nacional do Itatiaia-RJ; direção da reserva nega acusações
Por Sônia Paes
A regularização fundiária do Parque Nacional do Itatiaia (PNI), no sul do Estado do Rio de Janeiro, envolve denúncias de irregularidades ao longo do processo, iniciado ainda em 2005, que refletem diretamente no Ministério do Meio Ambiente de Marina Silva. As acusações vão desde perseguição aos moradores que moram na parte baixa da reserva até adulteração de mapa com os limites da área. Todas as denúncias tramitaram em várias instâncias judiciais. Algumas delas, seguem em andamento, enquanto a maioria foi arquivada.
No mês passado, houve novo contorno obscuro, com uma operação da Polícia Federal, em Mato Grosso do Sul, que teve como alvo a empresa Toposat, acusada de “grilagem” nas terras da União. Detalhe: trata-se da mesma empresa que prestou serviços técnicos entre 2018 e 2020 no processo do PNI, sob coordenação de consolidação territorial de Walter Behr. A finalidade era fazer levantamentos georeferenciados da área inteira do parque após mpliação de 1982 e das propriedades privadas alvo de desapropriação.
Entretanto, os limites determinados pela Toposat não coincidem com os do Decreto Federal de ampliação do parque, e algumas áreas foram adicionadas ou suprimidas, como afirmou uma fonte ouvida pelo Correio Sul Fluminense, do Grupo Correio da Manhã. “Os limites considerados como oficiais do PNI não coincidem nem com o decreto, nem com o estudo técnico de 1982”.
A mesma fonte afirma ainda que vários erros foram encontrados também nos memoriais descritivos dos proprietários dessa área do parque. Os membros do Conselho Consultivo do Parque solicitaram ao PNI, sem sucesso, cópia do contrato da Toposat na época do seu trabalho.
Walter Behr é um velho conhecido dos moradores do parque e foi nomeado chefe do Parque Nacional do Itatiaia, em 12 de agosto de 2005, com as bênçãos da ministra. Na época, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) não tinha sido criado e surgiu então o nome de Walter Behr como chefe do parque, até hoje acusado de perseguição às famílias residentes e proprietárias da Parte Baixa do Parque. Além disso, ele teria usado um mapa de origem duvidosa para sustentar a alegação de que as terras ocupadas pelas famílias da Associação dos Amigos de Itatiaia (AAI) já teriam sido incorporadas à Reserva Florestal criada em 1914 e, portanto, pertenciam à União desde aquela data. Com base nesse argumento, ele teria classificado as famílias como proprietárias ilegais, veranistas, especuladores imobiliários, conforme “Esclarecimentos da Chefia do PNI” distribuído para lista de e-mails e publicado em um site.
As denúncias sobre a suposta fraude cartográfica e outras incluindo a campanha difamatória contra os moradores estão entre as que estranhamente foram arquivadas pelo Ministério Público Federal de Resende-RJ, sem qualquer diligência investigatória. Atualmente, as mesmas denúncias estão sendo investigadas pelo MPF (Ministério Público Federal) de outros estados.
– Em 2008 ele fez uso de um mapa apócrifo com aba dobrada, uma simples cópia de outro mapa nunca apresentado, para alegar que os dois núcleos agrícolas federais de 1908 (uma vasta área urbana hoje de Visconde de Mauá e o um bairro na parte sul) já faziam parte da área do PNI desde 1914. Com base nessa informação, várias famílias foram tratadas como proprietários irregulares e invasores do parque, mesmo todos tendo matrículas na prefeitura (pagantes de IPTU) e escritura de registro de imóvel. Sem falar que os mapas e documentos oficiais dos órgãos gestores provam que essa premissa do Walter Behr é uma grande engodo, mas a autarquia e o MMA nunca tomaram providências contra essa informação sob denúncia de falsidade ideológica introduzida nos seus órgãos e na Justiça Federal – completa a fonte.
Casa de Luxo e crime ambiental
Um dos casos mais emblemáticos ocorreu com a desapropriação, em 2015, da casa da família Bodini, nas proximidades do centenário Hotel Donati. O próprio responsável pelas desapropriações, Walter Behr, escolheu essa casa luxuosa para reformar e transformar na sua residência com a sua família. A casa foi detalhadamente reformada, inclusive, com corte de árvores e ali viveram até 2023. Ou seja, as famílias desapropriadas por Behr que não poderiam morar no local tiveram que conviver com o absurdo dele mesmo ter decidido ali morar. A residência passou a contar com salão de festas, horta, caramanchão e até piscina — tudo dentro dos limites do Parque Nacional do Itatiaia.
Anos depois, Walter Behr foi autuado, em 2020, por suspeita de crime ambiental em sua própria Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). O processo tramita no Forum de Bananal-SP, onde a juíza responsável pelo caso recebeu a denúncia oferecida pelo Ministério Público, após autoria e materialidade comprovados com a sua oitiva perante a autoridade policial da cidade paulista.
Contudo, após 2021, Walter Behr deixou de ser citado no processo, sob a justificativa de que estaria em trabalho remoto fora do país.
Walter alegou permanência na Alemanha por causa de um suposto trabalho de cooperação com o Parque Nacional da Floresta Negra. A informação é colocada em xeque porque somente em 23 de janeiro de 2025 foi iniciada a formalização de parceria com a Alemanha. Assim como no Parque Nacional do Itatiaia, há indícios de problemas envolvendo a RPPN denominada Rio Vermelho.
Talvez a acusação de crime contra o meio ambiente seja a menor delas. Com base em novas denúncias recebidas, há indícios de graves problemas envolvendo a RPPN denominada Rio Vermelho, de propriedade de Walter Behr. Essas denúncias indicam, com base em documentos oriundos do cartório de registro de imóveis de Bananal/SP, supostos crimes que envolvem grilagem de terras, falsificação de documento público, dentre outros, todos relacionados à apropriação indevida de terras, praticadas pelo Chefe de Consolidação Territorial do PNI.
Os fatos foram encaminhados ao Ministério Público de Bananal e encontra-se atualmente, na Delegacia de Polícia Civil daquela Comarca, para as devidas apurações.
PNI e ICMBio esclarecem denúncias e negam irregularidades
Em nota enviada ao Correio Sul Fluminense, do Grupo Correio da Manhã, a direção do Parque Nacional do Itatiaia esclareceu as denúncias. A nota inicia informando que o contrato com a empresa alvo da PF foi firmado entre o ICMBio e a Toposat e publicado no Diário Oficial. “O contrato com vigência entre 2015 e 2020 previu a realização de serviços relativos à regularização fundiária, tais como levantamentos topográficos de propriedades públicas e privadas e relatórios de vistoria em diversas unidades de conservação no Brasil, incluindo o Parque Nacional do Itatiaia”, diz a nota, e continua:
-É importante ressaltar que o processo de contratação foi precedido de uma ampla concorrência, feita regionalizada e a Toposat participou do processo, como todas as outras empresas que venceram os certames, por região. Na época, não havia nada que desabonasse a empresa e que o processo de seleção foi feito na sede do ICMBio, sem intervenção do PNI, o desenho foi feito de forma institucional. O contrato foi feito com as empresas que venceram o certame”, diz a nota. Entre os parques, que ela venceu se encontrava o PNI e houve um severo processo de fiscalização dos produtos entregues, sendo alguns aprovados e outros rejeitados.
Com relação às acusações que recaem contra Walter Berh, a nota confirma que o analista ambiental foi chefe do PNI entre 2005 e 2012 e atualmente ele é responsável pela Área Temática de Consolidação Territorial do PNI. Esclarece ainda sobre as reformas da casa na reserva ambiental: “Essa questão da casa funcional já foi objeto representação apresentada pela AAI junto ao MPF de Resende, e arquivada por ausência de qualquer ilegalidade apontada pela representada. A decisão referendada pela 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal”.
Mapas e limites do Parque
O Correio Sul Fluminense questionou ainda sobre as denúncias sobre o mapeamento e limites do parque. “Os limites oficiais do PNI são determinados pelo DECRETO Nº 87.586, DE 20 DE SETEMBRO 1982, (…), esse é o documento oficial que determina em coordenadas geográficas os limites do PNI e não estava entre as atribuições da TOPOSAT estabelecer os limites oficiais do parque, que são aqueles definidos pela Coordenação Geral de Consolidação Territorial do ICMBio e são públicos, estando disponíveis no portal do ICMBio:
“Os limites oficiais das Unidades de Conservação Federais podem ser obtidos no link:https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/dados_geoespaciais/mapa-tematico-e-dados-geoestatisticos-das-unidades-de-conservacao-federais”.
Ainda segundo a nota, “o memorial descritivo dos limites oficiais do PNI está detalhado no próprio Decreto e sempre foi e é informação pública – seguem os limites oficiais do PNI no mapa anexo em kmz (…)”.
A íntegra da nota sobre os mapas:
Sobre a alegada “fraude nos mapas” temos a informar, que a questão foi judicializada, e as ações manejadas pela AAI julgadas improcedentes. Segue um breve relato:
No dia 17 de dezembro de 2020 a AAI entrou com um processo judicial junto ao JUÍZO DA 1ª VF DE RESENDE para a PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS – Processo nº 5002556-90.2020.4.02.5109 na qual pleiteava a realização de perícia em supostos mapas antigos. Sucumbente em duas instâncias, a denunciante ainda recorreu ao STJ, que teve um recurso transitado em julgado (processo 5016513-28.2021.4.02.0000) e um segundo recurso no TRF2 (processo 5002556-90.2020.4.02.5109) no qual foi negado provimento;
Cabe destacar alguns trechos da manifestação do MPF (…) no processo referido acima:
“Quanto a alegação da Parte autora de que teria ocorrido a ampliação do Parque na Parte Baixa em 1982, e, só então, o denominado ex-Núcleo Colonial de Itatiaia teria passado a integrar a unidade de conservação, entendo que tal discussão perdeu sua relevância com a edição do Decreto 87.586/82”
“Finalmente, quaisquer dúvidas que eventualmente existiram sobre os limites do parque foram totalmente superadas pelo Decreto 87.586/82, que é o marco legal vigente que deve pautar a gestão do Parque Nacional do Itatiaia.”
“Tais considerações reforçam a conclusão inicial de que a Associação dos Amigos do Itatiaia pretende produzir prova que lhe permita buscar uma “revisão judicial” dos limites territoriais definidos no Decreto n.º 87586/1982. Fica evidenciado que não subsiste dúvidas acerca dos limites territoriais definidos no Decreto n.º 87586/1982, mas sim insatisfação com os limites definidos pelo referido ato normativo. Tanto que, nos termos da inicial, pretende-se a análise e comparação de mapas anteriores ao referido Decreto n.º 87586/1982.”
“Por fim, quanto a alegada controvérsia cartográfica trazida aos autos, informo que tramitou, no 2º Ofício da Procuradoria da República no Município de Resende, o Procedimento Preparatório nº 1.30.008.000143/2019-754 (…), já arquivado. Os requerimentos formulados pela Associação autora foram indeferidos, tendo o Procurador da República oficiante ponderado que o suposto fato de o ICMBio estar se baseando em mapas cujo desenho estaria errado ou em conflito com mapas e documentos antigos, não poderia ser objeto destes autos, pois a questão já se encontra judicializada nos autos processo n° 004766875.2012.4.02.5101”
A ação do processo n° 004766875.2012.4.02.5101, mencionada acima, foi julgada improcedente em decisão confirmada definitivamente pelo Superior Tribunal de Justiça no ano de 2024″.