*Por Jane Portella — Advogada, pós graduanda em Direitos das Mulheres pela Faculdade I9 Educação, São Paulo.
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que confirmou o direito ao recebimento de benefício previdenciário ou assistencial por mulheres vítimas de violência doméstica afastadas de suas atividades laborais, representa um avanço relevante na concretização dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal.
A controvérsia analisada pela Corte envolveu a interpretação do artigo 9º, §2º, inciso II, da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que garante à mulher em situação de violência doméstica a manutenção do vínculo trabalhista por até seis meses quando houver necessidade de afastamento do trabalho. O STF firmou entendimento no sentido de que tal afastamento não pode ocorrer sem a correspondente proteção social, sob pena de agravar ainda mais a situação de vulnerabilidade da vítima.
A decisão foi fundamentada no reconhecimento pelo STF de que a violência doméstica pode gerar incapacidade temporária para o trabalho, equiparando essa condição às demais hipóteses que autorizam a concessão de benefícios no âmbito da seguridade social. Também estabeleceu parâmetros objetivos para a concessão do benefício, considerando a situação previdenciária da mulher afastada, quais sejam:
- As seguradas do Regime Geral de Previdência Social fazem jus ao benefício por incapacidade temporária, sendo os primeiros quinze dias de afastamento custeados pelo empregador, quando houver vínculo formal, e o período subsequente pelo INSS;
- As mulheres que contribuem para o INSS, mas não possuem vínculo empregatício, poderão receber o benefício diretamente da autarquia previdenciária;
- Nos casos em que não houver vínculo previdenciário, poderá ser analisada a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), desde que preenchidos os requisitos legais.
A Corte também assentou que a solicitação do benefício pode ser feita no âmbito do próprio processo criminal em que são concedidas as medidas protetivas, reforçando a atuação integrada do Poder Judiciário no enfrentamento à violência doméstica. Ademais, ficou reconhecida a possibilidade de ação regressiva contra o agressor para ressarcimento dos valores pagos pelo Estado.
Sob a ótica constitucional, a decisão do STF encontra respaldo nos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade material e da proteção social, previstos nos artigos 1º, III, e 6º da Constituição Federal. Ao assegurar meios mínimos de subsistência à mulher afastada do trabalho por motivo de violência, o Estado reconhece que a proteção não pode se limitar à esfera penal, devendo alcançar também os aspectos econômicos e sociais da vítima.
A medida contribui, ainda, para evitar que a dependência financeira funcione como fator de permanência em relações abusivas, promovendo maior autonomia e segurança para que a mulher possa romper o ciclo da violência.
Aprofundando a reflexão, a decisão do STF impõe uma releitura das práticas jurídicas relacionadas aos casos de violência doméstica, especialmente no que diz respeito à articulação entre o direito penal, o direito previdenciário e o direito constitucional. Trata-se de um entendimento que reforça a necessidade de uma atuação estatal coordenada e sensível às múltiplas consequências da violência de gênero.
Do ponto de vista jurídico, a consolidação desse entendimento tende a influenciar a atuação do Judiciário, da administração pública e da advocacia, ampliando a proteção efetiva às mulheres em situação de violência, sempre com observância ao devido processo legal e aos critérios objetivos estabelecidos em lei.