Por Lanna Silveira
Trazendo a inovação ao clássico, a harmonia à desordem e o consolo pelo desconforto, o cantor e compositor Maui consolida seu primeiro álbum de estúdio, “Melodia&Barulho”, como um dos lançamentos brasileiros mais interessantes de 2025. Em entrevista exclusiva ao Correio Sul Fluminense, o artista explica todo o processo artístico que envolveu a criação do álbum: desde toda a composição instrumental e lírica até a elaboração de seu conceito estético.
O disco é resultado da pesquisa musical que vinha sendo feita por Maui desde 2021 e envolvia o estudo e consumo de diferentes gêneros e estilos. O artista explica que passou cerca de dois anos apenas tentando entender a melhor maneira de agregar todas as suas referências de uma forma que fizesse sentido para ele e para o público: em uma música que, em suas palavras, fosse “entendível”. Entre as influências diretas do disco, estão artistas como PinkPantheress, Shy FX, Racionais MC’s, Thiaguinho e Thalles Roberto, além de estilos clássicos da música popular brasileira, como funk, pagode, charme e gospel.
Em 2022, Maui começou a trabalhar com a composição das letras que viriam a fazer parte do álbum, e somente em 2024 foi iniciada a fase de produção em estúdio. “Não tinha como [o Melodia&Barulho] ter sido lançado antes. Ele precisou desse tempo todo para existir.”
Com 16 faixas, o álbum se apoia na sonoridade clássica do R&B ao mesmo tempo que incorpora marcas de estilo de outros gêneros, como o funk, pagode, afrobeat, drill, grime e reggae. O resultado é um equilíbrio entre a suavidade de ritmos mais melódicos e a energia dos elementos eletrônicos. O título “Melodia&Barulho”, para Maui, é um nome que sintetiza perfeitamente a sonoridade oferecida pelo disco.
O repertório adquirido pela pesquisa de Maui se reflete na diversidade de referências e no experimentalismo do álbum. Faixas como “Te Ganhar”, feita em parceria com TShawtty, evocam a paixão da conquista pela pessoa amada não somente pela letra, mas também com o uso de samples de canções românticas clássicas do R&B: “We Belong Together”, de Mariah Carey, e “1 Minuto”, de D’Black e Negra Li.
Outro destaque do álbum são as faixas “Seu Telefone” e “Não é Tarde”, que exploram os arranjos do pagode em fusão com a batidas do “drum n’ bass” – vertente eletrônica caracterizada por batidas aceleradas e marcantes -, trazendo uma nova abordagem a um gênero que, pelo menos no cenário mainstream, ainda está muito atrelado a um estilo de produção clássico.
Maui explica que a inspiração para mesclar diferentes estilos surgiu de seu contato com apresentações de DJs “open format”, que fazem a mixagem de diferentes gêneros em um único set.
— Por mais inovador que possa parecer para o público geral, na minha bolha artística isso é muito comum. Hoje em dia, muitos DJs são open format. Em uma hora, as vezes [o DJ] passa por 20 gêneros diferentes. Eu já vi muitas vezes um DJ mixando pagode ou dancehall com drum n’ bass [por exemplo]. Essa intersecção entre os gêneros sempre me chamou a atenção — acrescenta.
Para harmonizar todas as suas referências, Maui contou com os três produtores principais do disco: Taleko, que auxiliou na produção dos elementos eletrônicos; CL Fez o Beat, que é parceiro de longa data do cantor e conseguia dosar as iniciativas experimentais com as bases mais clássicas da sonoridade de Maui; e Chediak, que participou da etapa de pós-produção e aprimorou a mixagem das faixas.
Bagunça organizada
Maui queria que o Melodia&Barulho fosse um retrato do momento cultural e artístico que vive enquanto jovem, buscando fazer referência às festas que frequenta e às relações pessoais e profissionais que cultiva com outros artistas. Refletindo a coletividade dessas experiências, o cantor permitiu que todos os artistas envolvidos trouxessem novas ideias para a construção do disco e deixassem sua marca no resultado final.
— Por serem pessoas que vivem a noite e essa cultura comigo, eles entendiam aonde eu queria chegar e quais sensações eu queria passar [com o disco]. Se eu trouxesse só as minhas ideias, o trabalho ia ficar muito limitado à minha visão — explica o cantor.
O sentimento de comunidade também se manifesta na capa do disco, que reúne dezenas de amigos e colaboradores de Maui em um retrato espontâneo, que parece registrar um momento banal do dia a dia. O artista explica que a arte da capa é inspirada no movimento artístico contemporâneo conhecido como “crialismo”, propulsionado por jovens da periferia brasileira que buscam retratar e valorizar as suas origens, histórias e vivências por meio da arte.
A capa de Melodia&Barulho visa expressar a diversidade de “tribos” que existe nas periferias por meio exposição de uma grande “bagunça” visual: pessoas de diferentes estilos e personalidades interagindo entre si, além de referências a diferentes elementos que fazem parte do universo da música, como um saxofone, uma CDJ e um gigante soundsystem.
— Quando você é de periferia, você pode ser pagodeiro, mas também pode ser rockeiro; também pode ouvir forró. [Essa diversidade] é comum, mas é tratada como se fosse algo estranho — explica Maui, acrescentando que a intenção da capa é, justamente, demonstrar ao público que essa miscelânia é mais familiar do que se possa parecer. “Tem muita coisa, muita gente, muita informação. Você olha de primeira e acha estranha, mas quando começa pensar percebe que aquela cena parece mais com o seu bairro do que qualquer outra coisa”, brinca.
Amadurecimento
As letras do Melodia&Barulho refletem um mar de emoções vividas por Maui em diferentes tipos de experiências. Temas como a ascensão social e sucesso pessoal são abordados em faixas como “Comemorar”, enquanto as vivências e relações da vida noturna ganham luz em “Quero Mais” e “Gastahondah”. O cantor também desabafa sobre momentos de insatisfação com seu estilo de vida e a sensação de vazio em canções introspectivas como “Há Volta” e “Inocência”, contrapondo as sensações negativas com manifestos de esperança e de valorização da evolução pessoal, expostos em canções como a faixa-título.
O disco registra o processo terapêutico de Maui nos últimos anos, que o ajudou a entender suas falhas e a acolher suas fragilidades. O cantor explica que pretende, com o álbum, ajudar seu público nessa busca pelo equilíbrio pessoal a partir da exposição de suas próprias reflexões. “Não quero falar disso como um “professor”: eu quero contar essa história de dentro, como um processo de acolhimento para quem escuta. Espero que [o álbum] ajude as pessoas a quererem buscar a melhor versão de si mesmas”, aponta.
Além do crescimento pessoal, Maui também sente que o Melodia&Barulho representa seu amadurecimento como artista. Em lançamentos anteriores, como o EP “Rubi” (2023), o cantor assume que se sentia satisfeito com um trabalho “bruto”: bem executado, mas sem correr riscos e explorar possibilidades. Em sua fase atual, Maui afirma que enxerga a beleza da arte nos detalhes, e que tentou valorizar ao máximo essa nova percepção em seu disco. O artista também garante ao seu público que está se aprofundando cada vez mais em suas pesquisas sobre música na intenção de alcançar novos auges artísticos em seus próprios trabalhos.