‘Prefeito Tik Tok’ criminaliza graffiti em Barra Mansa

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Em registro, o prefeito chama o graffiti de "pixação", apesar dos atos serem diferenciados por lei - Reprodução/Instagram

Furlani divulga vídeo punindo artista de rua nas redes sociais

Por Lanna Silveira

Um artista de rua foi encaminhado à delegacia em Barra Mansa após realizar um graffiti em um muro da Via Sérgio Braga, recebendo uma multa de R$ 5 mil. A ação punitiva foi divulgada nas redes sociais do prefeito Luiz Furlani na última terça-feira (12). A medida foi alvo de revolta nas redes sociais pelo fato de o graffiti ter sido reconhecido pelo prefeito como algo equivalente a pixação, apesar das práticas serem distinguidas legalmente desde 2011.

Ao justificar o ato de repressão, o prefeito reconheceu o desenho do artista como “pixação”, que é passível de punição segundo a Lei 4625, efetiva no município. O texto constitui como infração administrativa os atos de “pixação e depredação”, classificados na mensagem como: “danificar, destruir, depredar, riscar, desenhar, escrever, colar ou borrar edificações públicas ou particulares, equipamentos públicos e monumentos do mobiliário urbano”.

A lei municipal, entretanto, não menciona a prática do graffiti e seus termos de autorização ou proibição. A legislação brasileira (Lei 12.408/11) determina que pixação e graffiti devem ser identificadas como duas atividades distintas, descriminalizando ainda a realização do graffiti e reconhecendo-a como uma prática de “arte urbana” – dentro de condições também determinadas legalmente. O texto determina, portanto, que as punições atribuídas a pixações não devem ser automaticamente atreladas ao graffiti e que deve haver determinações legais específicas para cada uma das práticas.

Problema cultural

O vídeo publicado pelo prefeito Furlani causou indignação na comunidade dos artistas de rua e do movimento hip hop – do qual o graffiti é um dos elementos principais -, devido a linguagem de repulsa utilizada pelo político durante todo o registro. Enquanto apagava pessoalmente o graffiti, chamado por ele de “pixação” em vários momentos do vídeo, o prefeito brada que a gestão pública “não retrocederá nas ações de manter a cidade organizada, limpa, ordenada e limpa”. Furlani associa diretamente o graffiti a algo “sujo”, chegando a usar os adjetivos “imundície” e “nojeira”.

Para Iago Serpa Bullos, membro da cadeira do Hip Hop no Conselho de Cultura de Barra Mansa, a reação excessiva do prefeito demonstra uma falta de conhecimento sobre o assunto e busca, propositalmente, tentar atribuir uma imagem negativa a manifestações culturais como o graffiti.

-Em inúmeras vezes ele fala que o rapaz estava fazendo pixação porque eles querem caracterizar o grafite dessa forma, para poder dizer que ele estava “vandalizando” e “sujando”. É uma forma de diminuir o trabalho que a pessoa faz e criminalizar o artista – argumenta.

Ele também considera irônico que, apesar de possuir o maior painel de grafite da América Latina – instalado no bairro Saudade desde 2020, em uma ação da ArcellorMittal junto a Fundação de Cultura de Barra Mansa -, tanto o prefeito quantos os moradores da cidade não conseguem reconhecer manifestações urbanas como arte.

Para Iago, isso está diretamente relacionado à falta de incentivo público aos artistas da cena hip hop municipal de forma geral. Ainda que existam iniciativas na cidade, muitos produtores encontram dificuldades em persistir de forma independente, o que dificulta a realização de eventos diversos voltados para o hip hop e força os artistas a se mobilizarem para outras cidades que ofereçam melhores condições de sobrevivência com a arte.

Iago ressalta que mesmo a cadeira do Hip Hop no Conselho de Cultura, que consolida a existência do movimento na cidade e traz mais oportunidades de conseguir o apoio público, enfrenta dificuldades para movimentar a cena.

-A importância do incentivo é dar a possibilidade para o artista conseguir evoluir e se estruturar como artista, além de contribuir para a nossa cultura. Existem muitos artistas sensacionais na região que acabam migrando pra outros lugares porque aqui eles não conseguem sobreviver dessa forma. Isso acaba “matando” a cultura local porque desloca a nossa essência para outros lugares e afasta artistas que poderiam beneficiar a nossa região. O trabalho deles acaba sendo super valorizado em outras cidades e eles perdem a conexão com a região – disse Iago.

A Roda de Rima de Volta Redonda, que também se manifestou em repúdio a postura de Furlani, destaca o destaque do grafitti no cenário da arte contemporânea e ressalta que a atividade contribui para a profissionalização de artistas urbanos, assim como na sua geração de renda e no surgimento de oportunidades de trabalho alternativas. O coletivo considera a conduta da prefeitura de Barra Mansa como um “retrocesso” que criminaliza o grafitti novamente e cria um ambiente “hostil” aos artistas urbanos, inibindo a continuidade de seus trabalhos e desestimulando o surgimento de novos talentos na cena.

O coletivo ressalta, ainda, que essa restrição pode agravar os problemas de grupos que encontraram, no grafitti, uma oportunidade de transformação social – citando, especialmente, os jovens das periferias. “Sem alternativas culturais acessíveis, muitos acabam sendo expostos a contextos de vulnerabilidade, com maiores chances de se envolverem em práticas criminais. O graffiti, nesse sentido, funciona não apenas como arte, oferecendo oportunidades de pertencimento e reconhecimento”.

Por fim, o coletivo acredita que o posicionamento de Furlani pode contribuir para a formação de uma opinião pública que hostiliza e gera preconceitos sobre a cultura urbana, considerando seu poder de influência como prefeito da cidade. O grupo ainda pondera que o foco na repressão artística deveria ser redirecionado a outras questões do município, em setores como saneamento básico, educação e saúde, que exigem a intervenção e a atenção imediata do governo. “É um desserviço à população, que merece uma gestão séria, transparente e alinhada com os interesses reais da coletividade, não uma que condena a arte enquanto fecha os olhos para a desigualdade, a violência e o abandono das comunidades mais vulneráveis”, concluem.

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Correio Sul Fluminense

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