Bazares e confecção própria se popularizam entre consumidores
Por Lanna Silveira
Em meio a alta sazonalidade das tendências, a indústria da moda promove uma alta rotatividade nos guarda roupas do consumidores, incentivando a compra constante de novas peças para se manter alinhado com os estilos mais populares. Tudo isso configura a “fast fashion” – modelo de consumo que registra impactos negativos no meio ambiente.
Um relatório da Global Fashion Agenda denuncia que, nos últimos anos, mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartadas mundialmente. Projeta-se que, na próxima década, esse número aumente em mais de 60%. No Brasil, o índice chega a quatro milhões, segundo levantamento da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais. Como muitas peças são feitas com materiais que demoram séculos para se decompor, os descartes se acumulam como “lixos” – como é visto no chamado “Lixão do Atacama”, em um deserto chileno, que recebe o despejo ilegal de cerca de 39 mil toneladas de roupas todo ano. Parte dos descartes são das grandes produtoras têxteis, que precisam encontrar um destino para peças não compradas.
O impacto ambiental da moda se tornou um dos tópicos principais na discussão sobre sustentabilidade, o que mudou o perfil de consumidores antenados à causa. Isso permitiu que lojas que promovem a “moda circular”, como bazares e brechós, se popularizassem entre o público e transcendessem o formato físico, marcando presença forte no mercado virtual.
Para Letícia Oliveira, que frequenta lojas de desapegos há mais de dez anos, o maior atrativo dos bazares são os preços, a qualidade dos tecidos das peças encontradas e a garantia de um guarda-roupa diferenciado, que foge da padronização das lojas de departamento.
Apesar de também gostar de comprar em brechós online, Letícia prefere buscar bazares beneficentes, que utilizam os valores das vendas para arrecadar financiamento a instituições que apoiam diversas causas. Um dos mais visitados por ela é o “Bazar Late & Mia”, atrelado a ONG de mesmo nome, em Barra Mansa. Letícia criou também o hábito de divulgar a sua rotina de “garimpos” nas redes sociais, mostrando os locais que visita e as peças que encontra. O objetivo é orientar as pessoas que pedem ajuda para achar novas lojas e trazer visibilidade a causa dos bazares beneficentes.
Para Letícia, priorizar o consumo circular é uma forma de mudar o modo como as pessoas escolhem o que vão vestir, direcionando o olhar a aspectos que vão além da beleza e da tendência e ajudando a impedir, mesmo que em pequena escala, o descartes têxtil em massa. “Hoje em dia (a fast fashion) vende quilos de roupas de plástico pra gente, enquanto a gente acha peças de qualidade excelente num preço muito melhor nos brechós e bazares”. Para quem tem interesse em começar a engajar na moda circular mas não sabe como começar, Letícia incentiva a busca por recomendações em redes sociais, como o Tik Tok e o marketplace do Facebook, além de bazares próximos ao local de moradia, ressaltando que muitos centros religiosos possuem bazares próprios. Ela enfatiza, ainda, que é importante se desprender de crenças comuns de que as roupas usadas não têm qualidade ou podem passar “energias negativas” a quem as usam. “Tem que ter coração aberto e um pouquinho de paciência porque nem todo lugar vai estar arrumadinho igual loja. Mas garanto que dá pra achar ouro!”
Produção própria
Outra forma de unir a moda à sustentabilidade é por meio da confecção própria de peças, utilizando materiais que já estão a sua disposição. Uma das técnicas mais populares nesse sentido é o “upcycling”, que consiste na transformação de uma peça já existente em outra, trazendo uma nova estética e funcionalidade a ela.
Gabriela Alves, moradora de Volta Redonda, começou sua relação com o upcycling quando teve a ideia de usar uma fantasia para um evento temático. “Queria me vestir de palhaça e pensei: já tenho um monte de roupa meio colorida aqui. E se eu tentar trabalhar com isso? Fiz uns acessórios, fiz a roupinha e percebi que realmente dava pra eu mesma fazer isso. Não parei desde então”, conta.
Rayssa Amorim, também de Volta Redonda, começou no upcycling por volta de 2013: inicialmente, adicionando pequenos detalhes em roupas e, após começar a frequentar brechós, engajando na transformação e reformulação total das peças. Para ela, o atraente da prática é conseguir sentir que aquela roupa passou a ter mais valor após sofrer sua intervenção criativa. “São peças que, geralmente, já enjoei de usar e acabam voltando pro meu dia a dia, tirando a necessidade de comprar peças novas.”
Tanto Gabriela quanto Rayssa apresentam propostas estéticas e criativas diferenciadas em suas peças, entendendo no upcycling uma maneira de expressar sua identidade e criatividade e usando modelos dificilmente encontrados em lojas convencionais.
Ambas afirmam que, após começarem a confeccionar por conta própria, passaram a analisar a indústria da moda dentro de uma nova perspectiva e valorizam, cada vez mais, o consumo que foge da fast fashion. Para Gabriela, o contato com a prática da produção têxtil a tornou mais consciente sobre o valor de uma peça de roupa, a força de trabalho necessária para criá-la e sobre como a mão de obra das roupas vendidas a preços baixos não é devidamente recompensada.